Show solo de Paula Toller surte efeito e vibrações de apresentação do Kid Abelha

Por em 03/25/2018


Ao saudar o público que compareceu à casa Vivo Rio na noite de ontem, 24 de março de 2018, para assistir à estreia carioca do show solo Como eu quero!, Paula Toller prometeu apresentação cheia de “boas vibrações”.
Dito e feito. Tanto que, cerca de uma hora e meia depois, a cantora e compositora carioca saiu do palco consagrada e ovacionada pela plateia, após o bis iniciado com duas apaixonantes baladas, Grand’ hotel (George Israel, Paula Toller e Lui Farias, 1991) e Os outros (Leoni, 1985), e encerrado com as duas músicas lançadas há 35 anos pelo ora desativado Kid Abelha no primeiro disco do grupo, um compacto editado em 1983 com as gravações originais de Por que não eu? (Leoni, Paula Toller e Herbert Vianna, 1983) e Pintura íntima (Leoni e Paula Toller, 1983).
Ao fim do show, pessoas de meia-idade que adolesceram ao som pop do Kid Abelha, jovens e até algumas crianças estavam extasiadas pela sucessão de hits enfileirados por Paula no roteiro alinhavado com arranjos do diretor musical do show, Liminha, presente na banda como violonista. O fato é que, ao chegar na cidade do Rio de Janeiro (RJ) após passagens por algumas capitais do Brasil, o atual show solo de Paula Toller surtiu o mesmo efeito e as boas vibrações das apresentações do Kid Abelha.
A cantora e compositora Paula Toller
Divulgação Vivo Rio / Ricardo Nunes
Afinal, quem ia aos shows do Kid Abelha queria ver e ouvir a platinada Toller dar voz (afinada com o passar dos anos) a uma cancioneiro pautado pela excelência pop. Escorado na figura eternamente jovial da artista, o show Como eu quero! seduziu o público carioca, revendendo todos os hits do grupo em embalagem que jamais diluiu a pegada pop dessas canções que atravessaram gerações, ainda ressoando luminosas, irresistíveis, após três décadas, a despeito de alguns críticos de música atuantes nos anos 1980 terem minimizado na época o Kid Abelha no confronto com outras bandas por puro preconceito contra repertório tão pop quanto popular que versava sobre anseios e amores juvenis em vez de rebobinar o discurso político de grupos mais engajados.
Não, não houve o toque do saxofone de George Israel, integrante mais destacado do Kid após a saída de Leoni, e nem de nenhum outro saxofonista. Mas ninguém pareceu sentir tal ausência e muito menos pareceu se lembrar de que havia (bom) guitarrista, Bruno Fortunato, no grupo.
O roteiro tampouco se restringiu ao repertório do Kid, incluindo uma canção fruto da vivência pessoal de Paula como mãe – Oito anos (Paula Toller e Dunga, 1998), lançada há 20 anos no primeiro álbum solo da abelha rainha com letra que relacionava perguntas feitas pelo então pequeno Gabriel, filho da artista – e pálida versão em português de música da lavra nobre de Stevie Wonder, Don’t you worry ‘bout a thing (1973). Intitulada Deixa a vibe te levar, em alusão ao nome do samba lançado em 2002 por Zeca Pagodinho, a inédita versão escrita por Paula foi um dos poucos momentos frios da primeira apresentação do show Como eu quero! no Rio.
A cantora e compositora Paula Toller
Divulgação Vivo Rio / Ricardo Nunes
Contudo, em essência, foi como se o público estivesse assistindo a um show do Kid Abelha sem o Kid Abelha, mas com a voz de Paula Toller e com o repertório do grupo. O que, na prática, bastou para fazer a festa desse público.
Com os toques de músicos jovens como Pedro Dias (no baixo) e Gustavo Camardella (nos violões), integrantes de banda pautada pela elegância pop, Paula Toller sustentou a leveza dos hits do Kid Abelha, já abrindo o roteiro essencialmente autoral com Fixação (Beni Borja, Leoni e Paula Toller, 1984), e relembrou algumas composições de discografia solo que resultou titubeante com a edição do recente álbum Transbordada (2014), lançado há quatro anos com repertório calcado na parceria da artista com o produtor Liminha, saudado efusivamente no palco da casa Vivo Rio pela cantora como “o maior produtor de rock do Brasil”.
Da safra menos imponente do disco Transbordada, Paula rebobinou no roteiro de Como eu quero! as músicas Calmaí (Paula Toller e Liminha, 2014) e O sol desaparece (Paula Toller e Liminha, 2014), número de brilho reduzido na estreia carioca do show. Do repertório solo de Toller, a melhor surpresa foi À noite sonhei contigo (Kevin Johansen em versão em português de Paula Toller, 2007), pérola do mais inspirado disco solo da abelha, Só nós (2007), lançado há 11 anos sem a merecida repercussão nacional.
A cantora e compositora Paula Toller
Divulgação Vivo Rio / Ricardo Nunes
A cinco meses de completar 56 anos de vida, Paula Toller provou na estreia carioca do show que faz bem em insistir na juventude. O tempo pareceu não ter efeito sobre a cantora quando ela deu voz às músicas adolescentes Educação sentimental II (Leoni, Paula Toller e Herbert Vianna, 1985) e A fórmula do amor (Leoni e Leo Jaime, 1985) – esta cantada pela primeira vez ao vivo por ter ficado mais famosa na gravação feita por Paula para álbum de Leo Jaime do que no registro quase simultâneo do Kid – como se ainda tivesse vinte e poucos anos.
Baseado nos toques do violões de Liminha e Gustavo Camardella, o arranjo de Educação sentimental II exemplificou bem o suave tom pop, por vezes folk, com que Toller anda revisitando os hits da juventude. Mesmo que a vocalista tenha esboçado certa intensidade no canto de Lágrimas e chuva (Leoni, George Israel e Bruno Fortunato, 1985), o show Como eu quero! chegou ao Rio sustentado pela leveza da música pop. Só que, sintomaticamente, sem guitarra e sem saxofone. Nem por isso o toque da bateria de Adal Fonseca deixou de sobressair, bem marcado, no arranjo de No seu lugar (Paula Toller, George Israel e Lui Faria, 1991).
Fora do eixo autoral, a cantora deu voz a Ando meio desligado (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, 1970) com arranjo minimalista de tom levemente etéreo – música justificada no roteiro pelo fato de estar sendo tocada com a presença do ex-Mutantes Liminha na banda – e a Céu azul (Chorão e Thiago Castanho, 2011), canção melódica do repertório hard do grupo Charlie Brown Jr. que foi calorosamente recebida pelo público de Paula na estreia carioca do show.
A cantora e compositora Paula Toller
Divulgação Vivo Rio / Ricardo Nunes
Contudo, foi mesmo nos sucessos do Kid Abelha que a comunhão entre artista e público se fez de forma mais plena. O hit acústico Nada sei (Apneia) (Paula Toller e George Israel, 2002) e a canção-título Como eu quero (Paula Toller e Leoni, 1984) – cuja interpretação foi confiada por Paula ao público, com o microfone virado para a plateia – geraram momento catárticos. Nem por isso o show deixou de evidenciar que, sim, existem músicas simplórias no cancioneiro pop da compositora. Reapresentada com pegada mais roqueira, com toque político e com discurso em que a cantora se referiu ao assassinato da vereadora Marielle Franco (1979 – 2018), Eu tô tentando (Paula Toller e George Israel, 2005) tangenciou o primarismo.
Em contrapartida, como não reconhecer a beleza eternamente sedutora da balada Nada por mim (Paula Toller e Herbert Vianna, 1985), revivida no show com as luzes dos celulares da plateia, a pedido da própria Paula? Uma canção que, como a autora lembrou orgulhosamente no palco, já ganhou as vozes de cantores como Ney Matogrosso e Nelson Gonçalves (1919 – 1998) desde que foi lançada em 1985 em gravação de Marina Lima.
Enfim, Como eu quero! é show que coloca Paula Toller no devido lugar de cantora e compositora com pleno domínio da língua da música pop. É fato que tal domínio somente foi alcançado porque a melhor parte desse cancioneiro foi composto por ela com parceiros como Leoni (fundamental para que os dois primeiros álbuns do Kid Abelha soem hoje como greatest hits do grupo) e o próprio George Israel. Mas é fato também que, sem a voz, o carisma e a jovialidade (eterna?) da cantora, esse cancioneiro talvez não surtisse o efeito e as boas vibrações perceptíveis na estreia carioca de Como eu quero! – um show solo de Paula Toller que soa como se fosse uma apresentação do Kid Abelha. (Cotação: * * * *)


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